domingo, 15 de janeiro de 2012

Otimismo em Gotas



Luizinho é um dono de bar muito engraçado, em Taperoá. Desses que começa a contar seus "causos" e logo forma um grupo de pessoas a ouvir e rir. Quando a gente dá pela coisa tá no meio de uma festa. Até mesmo em velório. No de minha avó, depois que fechou o bar, boca da noite, foi à casa do meu avô, fez os cumprimentos de praxe à família, demorou-se um pouco e saiu pra calçada em frente. Logo juntaram-se a ele mais dois, depois mais um e começaram um papo. Em pouco tempo tava uma turma. Do lado de cá só víamos quando se juntavam para ouvir algo que Luizinho contava, baixinho em respeito à defunta, mas de repente só ouvíamos a risada deles. Era uma festa.
Em seu bar não é diferente. Troça com todo mundo, solta uma piada com um, diz um ditado pra outro, trata todos de "primo". Primo prá cá, primo pra lá e vai tocando o negócio, apurando a grana do pirão. Passou muitos anos no Rio de Janeiro, trabalhando em lanchonetes, juntou uma grana e veio ser patrão na Paraíba. Como a esposa é de Taperoá, ali chegaram em meados dos anos setenta do século passado. Três filhos pequenos. Alugaram um prédio a Sebastião Simões e iniciaram o negócio. Depois comprou seu próprio imóvel e organizou o bar do seu jeito.
Gosto muito de tomar umas cervejas lá quando apareço na terrinha. É muito divertido. Meus irmãos também adoram-no. Com o tempo percebemos que, por trás de tanta troça há sempre um quê de pessimismo em suas falas, quando se chega para falar-nos de "coisa séria", como ele diz. Um dia, foi tão longo o rosário de negócios que não davam certo, que tive a idéia de gravar tais encontros, sempre que possível, porque não deixa de ser interessante a forma como expõe seus pontos-de-vista e os exemplos que conta embasando-os.
Ontem estive lá. Esqueci o gravador de voz, mas pedi-lhe papel e lápis, para não deixar passar a oportunidade.
Ao trazer-me uma bebida, quis saber como estou vivendo:
- quer dizer, primo, que você não se preocupa mais com banco... Referia-se ao fato de ter-me aposentado do Banco do Brasil há um tempo.
- Não, primo, deixo as preocupações agora com os outros que tão lá, tocando o barco. Tô agora do lado de cá do balcão. Não vou lá nem para receber a aposentadoria, tem caixa eletrônico em tudo que é canto...
- O primo tá certo. O que vale é tranquilidade. Esquentar a cabeça com quê? Principalmente, primo, como você, condição boa, aposentadoria gorda, coisa e tal...
Como é bom de papo, quase não deixa você falar. Continua:
- Principalmente porque você ainda pegou os tempos bons. No seu tempo a coisa ainda valia a pena, ganhava-se bem, comia-se bem, bebia-se bem e tinha respeito e tranquilidade. Antigamente respeitava-se gerente, subgerente.
Dá um a pausa como a dar-se conta de que eu nem era o gerente nem o sub no tempo a que se referia. Olha pra mim e prossegue: - respeitava o funcionário, - chegou no meu posto... - hoje não, falta de respeito total. Não vê esses dias? Dois assaltos seguidos. E um cara aqui na frente do meu bar, naquele poste - aponta-o com o indicador - fuzil dessa grossura na mão, esperando a polícia. De vez em quando um tiro pra cima, pra intimidar. E a polícia apareceu, ela é doida? De 38 na mão? E os outros lá dentro massacrando os funcionários. Isto derruba um homem, primo! Um cara aqui, outro lá no outro poste e eu só olhando pelo buraco da porta. Baixei as portas que eu não sou doido e fiquei com o olho no buraco. Ri.
A esta altura o bar está cheio, um sobrinho atende às outras mesas. Chega um sujeito muito apressado, para pegar dois pacotes de carne que deixara lá bem cedo, até a hora de pegar o carro de volta pro sítio. Como Luizinho continua com a atenção voltada para mim, o cara toma a liberdade de ir ele mesmo pegar os pacotes, na parte de dentro do balcão, terreiro do dono. Nosso terreiro é do lado de cá, né? Vivo, ele percebe o lance e corre atrás do sujeito. Nova demonstração de otimismo:
- Ah, essas carnes aí é, primo? Pelo tempo, já viraram carniça!
Vingança pelo atrevimento do sujeito de invadir seus domínios. O sujeito fala: "virou nada, não deu tempo não!" Mas, por via das dúvidas, cheira ambos os pacotes. "Não disse? Não tem cheiro ruim não". Dá um obrigado apressado e parte para a rua feito bode com medo de chuva. Luizinho recebe um dinheiro do empregado e vai pro caixa guardá-lo. Percebo que está morrendo de rir do aperreio do cara com a história da carniça... Olha para mim e vê que também rio da pegadinha. Dobra a risada e arremata:
- é isso aí, primo, o rojão é grande, se a gente não brinca, endoida! A coisa é difícil, não é fácil não! Vê uma biroscazinha dessas? O sujeito pensa que é fácil, é fácil não! Aparece cada sujeito folgado... Aí a gente dá um nó nele para ele saber que tamos esperto... Senão daí a pouco não mando mais em nada aqui!
Ficamos rindo ainda algum tempo. Mais uma dose, peço a conta, minha irmã já passou me convocando pro almoço. Pago, recebo o troco, faço as despedidas. E escrevo o que vi. 
Taperoá, 14 de janeiro de 2012.  


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