sábado, 17 de março de 2012

O PRIMEIRO CAJU

Senti-me o próprio Agnelo Amâncio ressuscitado: achei o primeiro caju desta safra, no sítio de minha sogra.
Agnelo era quem colhia o primeiro caju em Taperoá, safra após safra. Ninguém ainda lembrara de caju e castanha, aparecia o nosso amigo com uma mochila cheia dessa fruta, que casa tão bem com cachaça.

Ele já chegava à cidade entortando as pernas, as mãos, os dedos e a fala, prova de já ter ingerido pelo menos meia garrafa. Tal qual caçador prevenido, que no bornal leva chumbo, pólvora, espoleta e um mercadinho da bendita para prevenir mordida de cobra, Agnelo também saía à cata do caju protegido com seu soro antiofídico. Nada como tomar um trago puxando o caju pro tira-gosto diretamente do galho! Levava o resto do dia para atravessar o circuito de mercearias Isaac-Zé Gomes.

Interessante, Agnelo. Não sei se era o primogênito de João Grande, mas sempre me pareceu sê-lo. Os irmãos, Tiquinho e Paulino, tinham aparência bem mais jovem. Estes possuíam vida econômica ativa, se bem me recordo, fabricando telhas na margem do rio Taperoá, entre este e a estrada velha para Campina.

De Agnelo, só dou notícia de viver em razão de duas grandes paixões: caju e peixe. Nisto atravessava o ano. No primeiro semestre, estação das águas em ano bom de inverno, mudava-se para o rio, tarrafa a tiracolo e jereré na mão, vasculhando os poços que a correnteza abria hoje e fechava amanhã, perseguindo corrós, traíras e piabas. Findavam as chuvas, secava o rio, ficavam os poços maiores. Nos de Pipiu era assíduo.

No segundo semestre, o tempo levantava, sumiam as águas, acabava a abundância dos peixes, migrava Agnelo para os cajueiros. Tinha passe livre nos sítios, todos o conheciam, não reclamavam dele nem pela castanha. Falo de tempos em que as pessoas eram mais solidárias, tudo compartilhavam, a mais-valia ainda não nos envolvera tanto.

E assim tocava Agnelo sua vidinha. Como disse, dedicado integralmente àquelas duas paixões, mas, de fato, alimentando a paixão maior: aguardente de cana, cachaça, pinga, benzedeira, rezadeira, relicário, esquenta-frio, esfria-calor, amansa corno, sossego de velho... Corró e caju só completavam a trindade.

FOTO: internet
Itabaiana, setembro de 2010.

Nenhum comentário:

Postar um comentário