sábado, 17 de março de 2012

A Agonia do Horto

Não me refiro à agonia d’Ele no Horto das Oliveiras, descrita nos Evangelhos. Quero referir-me  à agonia de outro horto, mais próximo de nós: o horto de Taperoá.

Começou e sessenta e sete do século passado, quando o rio transbordou e o muro que os separava veio abaixo. Depois, foram sumindo as árvores, uma a uma, tendo perdido o pequeno canal de tijolo e argamassa por onde corria a água do Açude do Estado que as regava. Coqueiros imensos lá havia. Vi muitas vezes pessoas subirem para colher cocos, que eram abertos ali mesmo, a canivete, e repartida sua água doce. Recordo-me de uma vez em que Seu Gilberto apanhou um jatobá maduro, que caíra da árvore, abriu-o e deliciou-se com sua massa de gosto único. Aquele imenso jatobá também já não existe, a não ser na lembrança de uns poucos, como eu, que o conheceram.

Descobri ali o gosto do sapoti. Junto com meu primo David, colhemos alguns frutos e os enterramos para amadurecerem. Numa semana, desenterramo-los e os comemos. Nada mais doce! O sapotizeiro, claro, também já era... Naquele horto, tive minha primeira aula prática de botânica. Aliás, foi uma constatação: no livro de leitura da escola, falava da nossa primeira riqueza exportável, cobiça de franceses, holandeses e ingleses, o pau-brasil. Lá conheci essa árvore. Dá até vontade de não dizer, para que alguém não descubra que ele ainda existe e vá lá, de machado ou motosserra na mão, e o ponha abaixo. Não é esse nosso instinto ruim? Mas, sim, ele ainda vive! É o que resta daquele bucólico jardim.

Desapareceu a quadra de areia onde a juventude praticava esporte. É muito nítida minha lembrança de Fernando de Ezequiel, os filhos de Seu Ivanildo, Marcelo Dantas, os filhos de Seu Aprígio e outros, jogando vôlei à tarde naquele areião. Não lembro deles, mas talvez nosso prefeito atual e seus irmãos também tenham jogado lá.

Permanece de pé o muro que dá para a rua que desce da Prefeitura em busca da ponte velha. Mas, o que é um muro, se lhe faltam as pessoas nele sentadas, a prosear à sombra das árvores e ao sopro da brisa da tarde?

Nosso horto não desapareceu à toa. A própria dinâmica da cidade encarregou-se disso. Cidades não são estanques, movimentam-se. Uma área nobre hoje poderá estar em declínio em alguns anos. Em Taperoá aconteceu isso. A construção do atual mercado público, mais ou menos na mesma época da cheia do rio a que me referi, deslocou para a zona leste o grosso do movimento comercial. O conjunto de casas populares, erguido pouco tempo depois, levou para a mesma região um grande contingente de famílias. A Rua Grande e a Chã da Bala perderam o burburinho comercial; ficaram essencialmente residenciais, muito quietas. A ponte nova, construída em sequência à rua São José, consolidou a mudança. Retirou de cá o trânsito de mercadorias e, de quebra, o posto fiscal. Por que ficaria ali o posto de Dadá Diniz, a padaria e o armazém de Gilberto? Aos poucos tudo que havia de comércio nas imediações da Prefeitura, deslocou-se pro outro lado. Mudara o próprio centro da cidade.

O que ainda espanta é, nos dias de hoje, quando é “política pública” redescobrir os centros velhos das cidades, ditos “centros históricos”, o nosso continuar esquecido. Toda cidade que se preza tem seu parque, pulmão da urbe. Nós não! O que custaria aos cofres públicos de Taperoá, replantar aquele horto, cujo vazio clama aos céus? Um funcionariozinho só bastaria. De salário mínimo. Dê-se-lhe o encargo de plantar coqueiros, goiabeiras, mangueiras, jatobás (ainda existem?), pinhas, graviolas e cuidar delas. Seria muito caro organizar um pequeno sistema de irrigação por micro-aspersão, hoje tão banais, e alimentá-lo com água do mesmo manancial, o Açude do Estado? Para ali, a água desceria do chafariz por gravidade, como antigamente, não necessitando sequer gastar dinheiro com moto-bomba, energia ou combustível! Ou também já não existe mais água encanada do Açude do Estado naquele chafariz?

Às vezes me pego a imaginar o que sentem pessoas como Seu Gilberto, Seu Menino, Antonio Patativa, Seu Aprígio e outros, vendo lá de cima aquele seu espaço tão desprezado. Suas almas certamente aprovariam uma atitude concreta da nossa Primeira Autoridade, pela sua restauração.

Devolvamos o horto à cidade! Há crianças, adolescentes e jovens que agradeceriam ter ali de volta o areião para seu vôlei. Quanto a mim, digo que, com grata surpresa, descobri há algum tempo um pé de sapoti na chácara de minha sogra, em Itabaiana. Desde então, não se passa uma safra sem que eu colha alguns para meu café-da-manhã. E, acreditem, venho guardando sementes para plantá-las, qualquer dia desses, no mesmo local onde ficava aquele sapotizeiro de onde colhi meu primeiro sapoti. Vocês verão, farei a minha parte!
Intermares, 08 a 10.09.2009

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