segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Surpresa


Cheguei ontem a Taperoá surpreso. Estão refazendo a pavimentação asfáltica do trecho da rodovia entre Taperoá e Assunção. Faz muitos anos que faço esse trajeto e nunca a intervalos longos de tempo. Jamais percebi, pelo menos  não que eu me lembre, que havia uma casa de fazenda do lado direito de quem se dirige a Assunção, próximo à  propriedade de Chico Branco, ou Branquinho Pimenta, como também é conhecido. 

Esse trecho da antiga "rodagem" do DER sempre ficou ladeado de vegetação típica da região. Vegetação densa, de marmeleiros, malvas, juremas pretas e outras espécies menores, mas que nos oferecia uma paisagem como que de alameda. O cinza do asfalto como um longo corte no meio do mato. Com aquela beleza que só o Nordeste oferece: parda e poeirenta no verão ou nos anos de seca, mas de tonalidades diversas de verde na época das chuvas. 

Quando asfaltaram essa "rodagem" aquela vegetação, ou foi preservada ou recompôs-se, de forma que escondia essa sede de fazenda. Não sei a quem pertence, tampouco a quem pertenceu. Minha mãe e eu, ao conversarmos sobre ela, à hora do jantar, deduzimos que se trata ou se tratava de terras de alguém da família Pimenta, a julgar por sua localização. 

Por que a surpresa? A surpresa, já disse, é que para mim ela esteve décadas escondida e de repente está à vista. Os trabalhos de recuperação da estrada exigiram a derrubada do mato, sendo substituída por cerca de arame farpado. E a faixa da rodovia alargou-se deixando à mostra grande extensão de terras de um lado e do outro. 

Por que meu interesse? Este é, digamos, acadêmico. Sou estudioso da nossa história e dedico muita atenção a tudo que diz respeito ao nordeste rural algodoeiro-pecuário, cujas bases remontam ao ciclo do couro e cujo ocaso dá-se no final do ciclo militar de 1964/1985, em que o toma impulso a industrialização brasileira, nordeste incluso, com o contributo essencial da Sudene e dos incentivos fiscais dos 34/18, depois Finor. 

A casa é típica de uma sede de fazenda da primeira metade do século XX, relativamente pequena, mas funcional, possuindo à frente um pequeno alpendre de colunas de madeira de lei da região, porta e janelas feitas também de material local e formato que remonta à arquitetura da colonização. Ao lado, e em frente à porteira que lhe dá acesso, o armazém contíguo, que possivelmente no início possuía duas portas, mas, com o advento do trator e do automóvel, foram unificadas para permitir a passagem desses veículos. 

A pena é estar abandonada. Apesar de relativamente limpa, as portas perderam a tinta e a coberta desmoronou em alguns cômodos. E ali está para testemunhar o ocaso dessa "civilização" algodoeiro-pecuária de que tratei dois parágrafos antes. 

Nada é mais emblemático dessa mudança. Mesmo em nossa cidade, a economia pulsa na urbe. Saí outra noite pelas ruas e percebi que casas são erguidas a dois ou três pavimentos. Taperoá se verticaliza. Alguns desses prédios constam de ponto comercial no térreo e residência da família nos andares superiores. Caminhões e mais caminhões, caminhonetes e motos estacionados nas ruas, vans que nos remete a um intenso tráfego de pessoas, intra e intermunicipal. Se as mercearias desapareceram,  vieram os supermercados. Permanecem os bares, talvez até tenham aumentado de número, mas há novidades: restaurantes e pizzarias. 

Se contaminaram nossos algodoais com o bicudo americanizado, se ficou mais econômico importar carne dos grandes frigoríficos do centro-oeste do País, via caminhões frigoríficos, se os matadouros municipais foram desativados, há que se procurar outros meios de vida. Vejo com alegria que, aqui, as pessoas  respondem bem a esses desafios.

Só algo, a meu ver, piorou: o crescimento é desordenado, a cidade carece de um plano diretor e de um código de postura que funcione e a consciência da população para a limpeza urbana, que precisa ser maior, mais exigente, inclusive consigo mesma. Nada de jogar a responsabilidade só para o Poder Público e fazer de conta que não é conosco. Precisamos ser mais educados na hora de descartarmos nosso lixo. 

Mas volto à casa velha da fazenda de quem não sei o dono, para me perguntar até onde é legítimo eu ficar de certa forma triste com aquela situação. Será nostalgia ou apenas interesse de historiador? Critica-se tanto o gosto de alguém pelo passado! Por que me dedico a estudar a sociedade rural nordestina do século passado? Esse era o meu mundo enquanto aqui vivi. Minhas lembranças desta cidade são dessa época. 

Por outro lado, durante uma década atuei na carteira agrícola do Banco do Brasil, financiando esse universo rural. Com meu trabalho, apoiei e ajudei a colocar de pé políticas públicas para nosso semiárido, vi nascerem e  financiei a implantação de tecnologias de convívio do homem do nordeste seco com as estiagens. E fui testemunha ocular do desmantelamento de todo o sistema de fomento para nossa região, que fora criado desde a Era Vargas e aperfeiçoado nos governos militares. Sucumbiu tudo no furacão da crise da dívida externa dos países em desenvolvimento, nos anos 1980. 

A humanidade caminha para a frente, isso é inexorável. Não se pode ficar preso a um passado que não existe mais, isso é certo. Nossa própria sobrevivência carece de resposta aos novos desafios que nos são postos.  O que não se pode deixar é de olhar esse passado com o interesse da História. 

Dedicar-se a esse estudo com conhecimento de causa, então, é salutar.  Se vier junto uma pontinha de nostalgia, torna tudo mais prazeroso. Será isto um pecado?!  
   
Texto: Ari Diniz -Taperoá (PB), 16.09.2012.
  

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