sábado, 26 de janeiro de 2013

Um milagre


Chico gostava de caçar rolinhas em dias de folga, principalmente no domingo. Certo dia, mais ou menos quatro horas da tarde de um domingo, ele disse à sua mulher: “Vou aos sítios de João Pires e Mirabeau caçar rolinhas e logo voltarei”. A mulher disse-lhe: “É tarde, Chico, e o céu está bonito para chover; é melhor você não ir”.  

Sem escutar a mulher, Chico pegou sua espingarda, munição e bisaco, tomou o rumo da Rua Chã da Bala, no caminho do cemitério velho, e se embrenhou pela caatinga ainda exuberante, com baraúnas, aroeiras, angicos, marmeleiros e arbustos endêmicos do ambiente nordestino. Naquele tempo ainda não existia o açude Manoel Marcionilo, e aquele lugar era praticamente mato e algumas plantações de milho e feijão. 

O fato é que, quando Chico entrou no mato, sentiu que seria um bom tempo de caça, pois avistara muitas rolinhas. Preparou sua espingarda e não demorou muito para que seu bisaco ficasse cheio de caça. Animado, esqueceu-se do tempo e da chuva que se anunciava no céu antes dele sair de casa. Já era noite quando a chuva invadiu Taperoá tempestuosamente: relâmpagos e trovões assustadores, ventos fortes e águas torrenciais. 

De repente Chico percebeu que o mundo havia escurecido à sua vista, clareado apenas pelos relâmpagos. Logo procurou um abrigo no meio do mato e sentou-se debaixo de uma baraúna, imaginando que só sairia dali quando a chuva passasse. Mesmo assim reparou que não tinha ideia donde estava: se no norte, no sul, leste ou oeste do caminho de casa. Pensativo, quis se preocupar, mas do nada apareceu um homem, dizendo: “Que chuva! Às vezes venho aqui passear, contemplar a natureza, mas estou com medo deste temporal; vou voltar para casa! Você quer vir comigo? Conheço estes caminhos como a palma de minhas mãos e posso lhe ensinar o caminho de sua casa! Além disso, é perigoso ficar debaixo de árvores em tempo de chuva, pois elas atraem raios!”. Chico, que reparou na fisionomia e na roupa de mescla azul do homem durante um relâmpago, animou-se e, num ímpeto, levantou-se e seguiu o desconhecido. 

Alguns metros depois de afastar-se da árvore, Chico escutou um grande barulho atrás de si. Surpreso, olhou para trás e viu que a árvore que o abrigara fora atingida por um raio e se partira ao meio. Assustado, ele disse ao homem: “Você salvou a minha vida! Obrigado!” O homem disse-lhe: “Eu conheço muito bem a natureza, pois antigamente eu também vivia caçando rolinhas por aqui, como você faz agora”. Chico quis ampliar a conversa: “Qual é o seu nome? Engraçado, Taperoá é tão pequeno, e eu nunca o vi por aqui!” O homem lhe respondeu: “Meu nome é Joaquim, e moro ali perto da estrada que vai lhe levar para sua casa”. 

A conversa se encerrou por aí, e Chico acompanhou o desconhecido, confiante de que logo chegaria em casa, embora a chuva houvesse aumentado. Quando já estavam em frente ao cemitério velho, o desconhecido parou e disse a Chico: “Agora você chegará em casa facilmente, embora a cidade esteja sem luz elétrica; é só seguir em linha reta”. Chico perguntou-lhe: “O senhor não vem comigo? Aqui é esquisito, principalmente de noite”! Ele lhe respondeu: “Não, Chico, pois eu moro aqui há muito tempo!”. 

Naquele momento Chico viu, no clarear de um relâmpago, que aquele homem tinha a fisionomia do seu avô, que falecera quando ele era ainda um menino. Viu, ainda, que ele atravessou sem problema a parede do cemitério e sumiu na escuridão. Depois da surpresa, não houve outro jeito para Chico senão correr. E ele correu tanto, guiado pela claridade dos relâmpagos, que deixou cair pelo caminho seu bisaco e sua espingarda. Em casa, quando sua mulher o viu chegar, disse-lhe: “Oxente, você está com cara de quem viu fantasma! Onde estava até agora? Cadê as rolinhas?” Chico, exausto, apenas lhe disse: “Mulher, nunca mais eu vou caçar! Nunca mais eu vou caçar!”.     
              
(Texto: Bete Diniz - Taperoá - PB -  Foto: internet)

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